Ao fundo do corredor havia uma fotografia muito antiga: diziam-me que era o meu avô. O avô nunca o conheci: morreu jovem ainda deixando vários filhos todos de tenra idade. Era culto para o seu tempo: foi à escola .
À hora de almoço, em casa da minha mãe, ela falou nele. Mais de 75 anos após a sua morte, a filha, que à altura tinha 5 anos, lembrou o vaivém dos médicos em desespero para salvar uma vida que hoje seria poupada com uma vacina.
Mas lembrou o Pai. Rompia o dia e tirava os filhos da cama, carregava-os para a carroça com taipais de verga e partia para o trabalho no campo. A minha avó protestava:
- Levas as crianças a dormir. Deixa-as.
- Não. Elas gostam de ir comigo. Deixa-as ir mulher.
Chegado ao terreno descarregava-os e ficavam, até acordar, debaixo de um salgueiro.
Lembra também quando partiu um bacio de porcelana. A minha avó queria castigá-la e ela fugiu para debaixo da carroça no pátio. O pai apareceu a acudir:
-Deixa mulher. Deixa a criança! São só uns cacos.
As lágrimas vieram-lhe aos olhos. Mais de 100 anos depois de ter nascido um homem era lembrado e saía da fotografia para tomar vida e forma.
É assim a família: laços que moldam, que perduram, que atravessam e derrotam o tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário