outubro 08, 2020

O Lenin do Vaticano

 
Fratelli Tutti?

A terceira encíclica do Papa Francisco, Fratelli tutti, assinada, em Assis,
a 3 de Outubro, parece quase o documento conclusivo do seu pontificado, uma
espécie de testamento político. Porque a encíclica é política, como todo o
pontificado do Papa Francisco. Um dos mais fiéis colaboradores do Papa
Francisco, Andrea Tornielli, director de comunicação da Santa Sé, ao
apresentar a encíclica, não usa o termo político, mas o termo
social, que é, substancialmente, a mesma coisa, e escreve: «A
nova encíclica Fratteli tutti, apresenta-se como um resumo do magistério
social de Francisco e recolhe, de modo sistemático, as ideias oferecidas
por pronunciamentos, discursos e intervenções dos primeiros sete anos de
pontificado».

Uma origem e uma inspiração ; diz Tornielli ; é, certamente,
representada pelo documento sobre a Fraternidade humana em prol da paz
mundial e a convivência comum, assinado, em Abu Dhabi, a 4 de Fevereiro de
2019, juntamente com o Grande Imã de Al Azhar, Ahmad Al-Tayyeb.

Al-Tayyeb é um dos autores mais citados na encíclica e, não
surpreendentemente, no primeiro comentário que sobre ela fez num twitter,
escreveu que «é uma mensagem que restitui à humanidade a sua consciência».

Al-Tayyeb e o Papa Francisco têm uma mesma consciência da humanidade? Mas
em que sentido? O Papa Bergoglio explica-o: «Sonhemos como uma única
humanidade», «cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções,
cada qual com a própria voz, mas todos irmãos» (n. 8).

A verdade absoluta não é Jesus Cristo, em cujo nome e em cujo baptismo os
cristãos são irmãos. A fraternidade é um valor superior ao próprio Cristo,
porque, segundo o Papa Francisco, seria capaz de colocar de acordo
católicos, muçulmanos, budistas e os próprios ateus, que também têm fé e
convicção próprias.

O Papa Francisco, no início da encíclica, recorda a visita de São Francisco
de Assis ao Sultão Malique Camil, no Egipto, apresentando-a como uma
procura de diálogo, enquanto todas as fontes da época nos dizem que São
Francisco queria converter o Sultão e apoiava os cruzados que combatiam na
Terra Santa. Mas o encontro entre São Francisco e o Sultão fracassou e o
Papa Bergoglio parece querer demonstrar que é mais capaz do que São
Francisco para levar a cabo o projecto, a começar pelo documento de Abu
Dhabi.

Para realizar este diálogo, Francisco substitui os princípios da fé
católica pelos da Revolução Francesa: em particular, o trinómio
“liberdade, igualdade, fraternidade” (nn. 104-105). Uma utopia
que nunca se realizou na história, mas da qual o Papa Bergoglio quer ser o
artífice no século XXI.

Fraternidade; ;amizade social; são
palavras-chave da encíclica, desde o título, e constituem a nova forma do
amor cristão. Um amor cuja medida não é a relação vertical com Deus, mas a
horizontal com o próximo. A fraternidade também é chamada
;solidariedade; e «a solidariedade, entendida no seu sentido
mais profundo ; afirma o Papa , é uma forma de fazer história
e é isto que os movimentos populares fazem» (n. 116).

Os movimentos populares são os marxistas da América Latina, dos quais o
Papa Francisco sempre esteve próximo. Na encíclica, critica longamente os
«regimes políticos populistas» e as «abordagens económico-liberais» (n.
37), bem como as «formas de nacionalismo fechado e violento» (n. 86), mas
ignora o comunismo. No entanto, hoje, a primeira potência mundial é a China
comunista, que se refere oficialmente a Marx, Lenine e Mao. Mas, segundo um
colaborador do Papa como Mons. Sanchez Sorondo, a China é o país que,
actualmente, melhor aplica a doutrina social da Igreja e talvez seja por
isso que a Santa Sé deseja ter com ela relações privilegiadas. O Papa
também ignora as responsabilidades da China comunista na propagação do
coronavírus, excluindo que esta pandemia possa ser um castigo divino (n.
134). Contudo, todos os Papas ensinaram que as epidemias, as guerras, as
fomes e todas as formas de flagelo colectivo são uma consequência do pecado
dos homens.

Mas do pecado e das suas consequências, mesmo sociais, a encíclica não
fala. O único pecado parece ser o de se opor à imigração, que é o
instrumento para realizar a “integração criativa” (n. 41) cara
ao Papa Francisco. Francisco parece criticar a globalização, mas o objecto
das suas críticas é, na realidade, a gestão de cima para baixo e iníqua do
projecto globalista. O que quer é uma globalização de baixo para cima
estendida a todas as classes sociais e, principalmente, ao Sul do Planeta,
administrada pelos movimentos populares marxistas e, talvez, pela China.

«Mas, se se aceita o grande princípio dos direitos que brotam do simples
facto de possuir a inalienável dignidade humana, é possível aceitar o
desafio de sonhar e pensar numa humanidade diferente. É possível desejar um
planeta que garanta terra, tecto e trabalho para todos» (n. 127). Todavia,
se existe um país onde os direitos humanos são violados, esse país é a
China. Como silenciá-lo num documento que reivindica os direitos humanos
como fundamento da convivência social?

Mas, acima de tudo, o Papa Francisco não dá nenhuma indicação sobre como
realizar a sua utopia. Porém, a Igreja tem todos os instrumentos, não para
realizar uma paz utópica na terra, mas para adoçar a vida neste ;vale
de lágrimas;. Os instrumentos são a oração, os sacramentos, o
respeito pela lei natural e cristã, a profissão, privada e pública, da fé
em Jesus Cristo, único Caminho, Verdade e Vida. Esta dimensão sobrenatural
está, infelizmente, totalmente ausente do documento do Papa Francisco. E o
facto de este apelo à fraternidade planetária ter sido lançado,
precisamente, quando uma guerra fratricida dilacera os líderes da Igreja,
não contribuirá, certamente, para o seu sucesso.

Roberto de Mattei

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