Sempre fui talentoso. Andava no ventre da minha mãe e já me excitava imenso com tilintar das moedas. Pequenino ainda, jogava ao berlinde com moedas: muitas para não falhar. Ia ao porta-moedas do avô e de todos para ficar com muitas.
Depois descobri, ainda ao colo, que a minha mãe dava um papel, recebia moedas em troca e, por vezes, outro papel a que chamavam nota. Era excelente e as notas ainda melhores: começou a minha paixão por carteiras que tinham notas. No colégio, na rua ... em todo o lado tentava sempre subtrair uma carteira.
Foi uma vida de carteirista! Pensam que é fácil? Não é!
- É uma vida de apertos: apertos no autocarro, no metro, no barco e da mulher em casa que reclama sempre;
- Tenho que andar sempre elegante para não parecer carteirista;
- Tenho que trabalhar a horas sempre inconvenientes;
- Tenho que cheirar sovacos e perfumes intragáveis;
- Tive que vencer a crise da introdução do multibanco;
- Enfrentar a concorrência dos parquímetros, do fisco, etc;
- Tenho que sofrer acosso da polícia e correr por vezes;
- Tenho que sofrer incompreensões e insultos: desde logo carteirista é um insulto. Eu não faço carteiras.
O meu papel social é negligenciado:
- Fomento a protecção das poupanças alheias e tiro de circulação os mais incompetentes;
- Não sobrecarrego o Estado com subsídios de desemprego;
- Incentivo a indústria de curtumes nacional e internacional;
- Faço uma redistribuição social da riqueza sem penalizar nenhuma classe em particular;
- Contribuo para desanuviar o ambiente nos escritórios evitando conversas da treta.
Agora no fim de carreira:
- As artroses não me deixam correr nem andar tão ágilmente;
- Os meus dedos não escorregam pelos bolsos alheios como antes;
- A concorrência é cada vez maior e as carteiras cada vez mais vazias.
Exijo respeito e que acabem com o tabu do "carteirista" para a minha dignidade:
- Um reconhecimento pela minha função social se possível na forma de Uma
CarteiraCédula Profissional; - Uma oportunidade de realizar formação profissional aos mais novos que são cada vez mais indelicados e incapazes;
- Descontar um pouquinho para Segurança Social nem que seja para entrar no escalão mais baixinho e ter uma pensãozinha pequenininha.
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