dezembro 27, 2008

A Estrela


Não se encontra no firmamento. Não apareceu nas telenovelas, nos grandes filmes nem nunca recebeu um Óscar. Teve, como as grandes estrelas de cinema, vários "casos" mas nunca uma vida em comum com alguém de relevo. Deu à luz vários filhos.
Alguns foram vendidos. Uma das filhas ficou com ela.
A Estrela era a vaca principal da família: puxava a carroça, arrastava a grade e rodava a nora para tirar a água que regava o milho. Eu seguia-a não fosse parar.
Tinha sempre a erva mais tenra e dava um leite doce que a minha avó recolhia directamente na vasilha de alumínio. Eu bebia-o e ficava com o bigode branco da espuma.
Mas a Estrela envelheceu, ficou impaciente e ao mesmo tempo incapaz de trabalhar apesar de ser cada vez mais poupada.
Um dia a família tomou uma decisão muito dolorosa: vendê-la.
O camião, que observei com espanto pois máquinas daquelas eram raras naquela altura, chegou numa sexta-feira. Nenhum de nós teve a coragem de ver carregar a Estrela e eu, com o pião na mão, vi o camião desaparecer na curva do caminho.
O jantar, uma caldeirada de carapau, não foi consumido nessa noite pesada. As lágrimas rolavam cara-abaixo das mulheres e o homem estava num silêncio pouco usual. Eu olhava e compreendia quanto um animal ao partir leva também um pouco da nossa essência.

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